quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A menina e o reino das palavras...

      
       Ela era franzina, usava um par de óculos verdes e sapatinhos vermelhos. Costumava sair todas as manhãs para brincar no jardim, mas hoje sua rotina iria ser diferente. Em seu quarto de bonecas finalizava os últimos preparativos para o início de sua brincadeira. Seu destino mudou quando ela atravessou a porta de seu quarto em direção ao jardim. Não ouviu o barulho da água e o costumeiro pedido do seu pai por uma toalha. Não escutou o barulho da chaleira da cozinha avisando que o café estava pronto. Só conseguiu ouvir vozes confusas, gritos e muita barulheira vinda do quarto de seus pais. Eles brigavam. O motivo de todo aquele alvoroço ela não sabia. Assustada, resolveu descer as escadas e percorrer o caminho que a levava até a casa de sua avó. Do outro lado da rua. No meio do caminho esbarrou com um grupo de crianças que jogavam futebol na rua e só olhou para trás quando dois deles a xingaram. Antes de chegar à casa de sua avó, ainda conseguiu perceber as lágrimas que caíam do rosto de uma mulher. Acabara de saber que o marido a trocara por uma mulher mais jovem.
       Chegando a seu destino, a menina entrou apressada porta adentro. Com a respiração ofegante, sentiu o perfume e o calor aconchegante de sua avó e recostou-se em seu colo. Ficou ali por alguns minutos. Queria sentir-se protegida, afagada. Não entendia porque as pessoas ficavam tão tristes a ponto de brigar. Porque se desentendiam? Não era mais fácil desculpar-se e voltar tudo a ser como era antes?! – pensava a menina. Lembrou-se também das crianças sem carinho, sem casa e sem comida que via quando dobrava as esquinas. Algo estava fora do lugar. O silêncio da sala de sua avó só foi interrompido por uma pergunta:
       - Vó, de que são feitos os sentimentos?
       - Não sei minha pequena.
       - Será de papel, Vó?
      - Que idéia mais maluca, menina! Sentimentos são sentimentos. Não são feitos de material algum. Apenas sentimos. São como o vento. Não os vemos, mas sentimos e sabemos que eles existem. De alguma forma eles existem!
       Um silêncio incômodo inundou toda a sala. 
       - Sabe Vó, às vezes eu queria poder mudar as pessoas, os sentimentos das pessoas! - refletiu a menina.
       - E quem disse que você não pode? Chegue aqui mais perto, vou te contar uma história.       
       E acariciando o cabelo da menina a avó lhe contou uma história muito antiga. Sobre travesseiros, penas e palavras: Conta a lenda que, há muito tempo em um mosteiro, havia um aprendiz que fazia muitas perguntas e falava muito. Um monge muito sábio o chamou e pediu que ele pegasse um travesseiro recheado de penas e o acompanhasse. Os dois caminharam durante algum tempo e chegaram até o topo de um monte muito alto. Após alguns minutos o monge mandou que seu discípulo rasgasse o travesseiro e lançasse as penas ao vento. O discípulo bastante intrigado perguntou ao monge qual o motivo de tudo aquilo. E ele muito tranqüilo apenas disse: lance às penas ao vento.
       Assim o discípulo fez. Após lançar todas as penas o monge o chamou e pediu que ele recolhesse todas elas e enchesse o travesseiro novamente. O discípulo confuso disse-lhe: isso não é possível! Como posso juntar todas as penas? Elas agora estão voando ao vento. Espalharam-se todas! O monge o chamou novamente e lhe disse: as palavras são como as penas do travesseiro, quando são lançadas jamais conseguimos recolhê-las. Elas tomam seu destino conforme o vento as leva. Por isso temos que ter muito cuidado quando falamos ou escrevemos alguma coisa, pois o que proferirmos jamais retornará e com certeza vai atingir o alvo a qual foi direcionada. Seja para o bem ou para o mal.
       Com os olhos brilhando, a menina envolveu a avó em um abraço apertado e, sem dar mais explicações, correu até o outro lado da rua. Acabara de ter uma ideia. As coisas finalmente iriam voltar aos seus devidos lugares. A menina encheu o peito de esperanças, subiu as escadas de sua casa o mais rápido que pôde e entrou como um cometa em seu quarto. Tão rápido que mal teve tempo de fechar a porta. Juntou todos os papéis que encontrou pelo quarto e começou a picá-los, transformando-os num montante de tirinhas de papel. Em cada uma delas escreveu sentimentos humanos, valores e emoções. Fé, bondade, alegria, generosidade, cavalheirismo, fraternidade, delicadeza, humildade, fidelidade, compaixão, confiança, contentamento, amor, coragem, resiliência. Todos os bons sentimentos foram lembrados. Todos, sem exceção! Juntou os papeizinhos picados, colocou-os em um grande travesseiro e subiu até o ponto mais alto de sua cidade. Respirou bem fundo e desejou que cada uma daquelas palavras escritas cumprissem o seu destino conforme o vento as levasse. Esperou pelo vento mais forte e sentiu a brisa acarinhar os seus cabelos. Contou até três e jogou os papéis contra o vento. Eles começaram a cair como chuva em terra seca. Delicadamente. Deliciosamente.
       A menina ficou ali a ver os pequeninos papeis perderem-se ao vento e lançou um sorriso de satisfação aos céus. Seu plano haveria de dar certo! Quem lesse suas palavras dedicaria alguns minutos para reflexão. Pensaria em seus atos e em sua postura frente a vida. As palavras espalhariam-se pela cidade e transformariam as pessoas. Os sentimentos seriam germinados e os valores multiplicados. A menina não poderia deixar de acreditar num mundo mais sensível, mais igualitário. No seu retorno para casa sentiu uma brisa por entre os seus cabelos e notou quando um papelzinho caiu em seu bolso. Tirou-o devagar e o leu em voz alta: Esperança! Com o mesmo sorriso de criança e com seus olhos de menina ela teve a certeza: a Esperança acabara de dar-lhe as boas vindas.
                                                                                       
                                                                                      (Rebeka Costa)       

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Porque o amor não tem tempo nem idade…

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Meus dias tem retratos que os olhos mais distraídos não conseguem registrar.
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Foto tirada por mim enquanto eu passeava por uma pequena vila portuguesa chamada Ponte de Lima. Este casal de idosos ficou um tempão conversando. E conversavam e riam. Cena linda de se ver! Não poderia deixar de registrar.

Sobre a amizade II…

___friendship_forever____by_pagihari

Ajuda-me saber que não estou só. Mesmo que eu não saiba por onde ir. Mesmo que eu não tenha ideia de como prosseguir. Ajuda-me saber que meus olhos não serão os únicos a ver e, nem tão pouco, os meus ouvidos os únicos a ouvir. É bom saber que o choro, se vier, será partilhado. E que as alegrias, quando chegarem, serão multiplicadas: pelos sorrisos, pelos abraços e pela delícia de ser mais que um.

(Rebeka Costa)

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Sobre a amizade I...



[...] Hoje, me fala de você. Dos momentos em que a vida lhe doeu tanto que você achou que não iria aguentar. Fala das músicas que compõem a sua trilha sonora. Dos poemas que você poderia ter escrito, de tanto que traduzem a sua alma. Senta perto de mim e mesmo que estejamos rodeados por buzinas, gente apressada, perigos iminentes, faz de conta que a gente está conversando no quintal de casa, descascando uma laranja, os pés descalços, sem nenhum compromisso chato à nossa espera. A gente já brincou tanto de faz-de-conta quando era criança, onde foi que a gente esqueceu como se chega a esse lugar de inocência? Fala da lua que você admirou outra noite dessas, no céu. Da borboleta que lhe chamou à atenção por tanta beleza, abraçada a alguma flor, como se existisse apenas aquele abraço. Diz se quando você acorda ainda ouve passarinhos, mesmo que não possa identificar de onde vem o canto. Diz se a sua mãe cantava para fazer você dormir.

[...] Hoje eu quero conversar com um amigo pra falar também sobre as coisas bacanas da vida. As miudezas dela. A grandeza dela. A roda-gigante que ela é, mesmo quando a gente vive como se estivesse convencido de que ela é trem-fantasma o tempo inteiro. Um amigo pra falar de coisas sensíveis. Do quanto o ser humano pode ser também bondoso, honesto, afetuoso, divertido e outras belezas. Dos lugares onde nossos olhos já pousaram e daqueles onde pousam agora. Um amigo para conversar horas adentro, com leveza, de coisas muito simples, como a gente já fez mais amiúde e parece ter desaprendido como faz. Um amigo para se conversar com o coração.

E se não quisermos, não pudermos, não soubermos, com palavras, nos dizer um pouco um para o outro, senta ao meu lado assim mesmo. Deixa os nossos olhos se encontrarem vez ou outra até nascer aquele sorriso bom que acontece quando a vida da gente se sente olhada com amor. Senta apenas ao meu lado e deixa o meu silêncio conversar com o seu. Às vezes, a gente nem precisa mesmo de palavras.

                                                                                                                                  (Ana Jácomo)


Eu e os outros em mim...

Créditos da imagem: imaginary_friend___by_m0thyyku

Sou tantas, sou tão única. Não caibo em definições. Sou Cecílias, Clarices, Florbelas, Quintanas e Pessoas. Sou isto ou aquilo. Sou e, por vezes, não sou, esta é a questão! Amo o barulho e o silêncio. Gosto de estar só, mas não de permanecer só. Sou de sorrisos e caretas. De poucos, mas de bons amigos. Tenho os pés no chão e mantenho a cabeça nas nuvens. Alimento-me do belo e me definho sem música, livros e poesia. Sou a metamorfose da lagarta e a dualidade da borboleta. Sou o camaleão e suas infinitas cores. Sou reticências, nunca um ponto. Sou eu. Sou os outros em mim.

(Rebeka Costa)